JisaBaka - Prólogo & Parte 1



Jisatsu no Otoko to Fumetsu no Baka:

O Homem Suicida e a Eterna Idiota.







Prólogo  -


Suicídio é o ato de tirar a própria vida.

Seres humanos são os únicos animais capazes de cometer suicídio. Muitos pensadores refletiram sobre o suicídio. Quais razões levam um ser humano a cometê-lo?

Durkheim, por exemplo. Um pensador ocidental, afirmou que o suicídio pode acontecer por várias razões. Ele pode ser Egoísta, Altruísta ou Anômico.

Um suicídio altruísta é aquele no qual a pessoa tira sua própria vida pelo bem da sociedade.

Um suicídio egoísta é aquele no qual a pessoa tira sua própria vida pelo mal que a sociedade lhe fez.

E um suicídio anômico é aquele no qual a pessoa tira sua própria vida devido ao caos social.

Em outras palavras, pode ser considerado que a sociedade é o motivo para que pessoas continuem a se matar.

Mas, para primeiro pensarmos nisso, temos que descobrir "o que é a vida".

O que é que faz um indivíduo "vivo"? Seria o fato de que ele respira e se alimenta?

Seria um sorriso?

Um sonho?

Então, uma pessoa, presa numa cama de hospital, que não sorri nem sonha, está morta?

Ou enquanto ela continuar respirando ela continuará "viva"?

Biologicamente falando, sim.

Mas, socialmente falando, aquela pessoa está morta.

Se ela desistiu de tudo por causa de algo que lhe foi imposto, seja coincidência, inevitabilidade, ou uma ação de outra pessoa, aquela pessoa está, socialmente, morta.

Por desistir do mundo a sua volta, mesmo que respire, aquela pessoa cometeu um suicídio social.

Essa é a situação pra mim.

Vinte anos, solteiro, desempregado, virgem, sem nenhuma habilidade social. Na verdade, seria mais seguro dizer nenhuma habilidade de fato. Mergulhado na minha própria melancolia. Um HikiNEET sem nenhuma esperança.

Meu nome é Kurogami Kano.

E, para todos os efeitos, eu estou morto.





Prólogo  -
O Homem Suicida.  -




Parte Um  -


Vamos... disse o bravo guerreiro. Vamos sair daqui.

Robert... — a dama se alojou em seu peito, e os dois fitaram o horizonte. Em seguida, a cena foi coberta por palavras rápidas demais para serem lidas.

Na vida real, porém, havia uma cena um pouco diferente e muito menos épica do que a que acabara de se passar na tela do meu computador.

Um homem de aparência deplorável. Roupas malcheirosas, cabelos e barba por fazer. Ele se atirou contra o apoio da cadeira, fazendo seu pescoço pender para trás. Seus olhos quase se fecharam, entregando-se ao sono, e sua garganta deixou escapar um som medonho que representava seu cansaço.

— Uuuuh... — o homem se deixou suspirar, deixando sair um som parecido com o que fazem zumbis em filmes desse tipo. Uma campanha de quarenta horas para zerar a mais nova versão daquele jogo se provou não ser uma ideia tão boa assim. Mais de uma vez, o homem soltou um insulto mental para si mesmo.

Eu não preciso nem dizer que essa pessoa sou eu.

— Que horas são...? — eu estiquei a minha mão até o celular e o abri. A luz me fez estreitar os olhos. Apesar de ter passado as últimas quarenta horas no escuro do quarto apenas com a luz do computador ligada, os créditos que agora passavam na tela tinham um fundo negro que acabou fazendo minhas pupilas crescerem.

Nove e quarenta e seis.

Entendi... então é de manhã. Pela hora, o pacote que eu pedi já deve estar chegando...

O aparelho na minha mão vibrou duas vezes. Na tela, um envelope surgiu.

— Uma mensagem... — eu abri o conteúdo dela. O remetente era Yokoi Sayaka, uma garota que vive no apartamento logo abaixo e é filha do síndico.

"Kurogami-kun, tem um entregador procurando por você aqui em baixo."

A mensagem vinha seguida de uma série de "carinhas" que não pareciam fazer nenhum sentido nem ter qualquer tipo de relação entre si. Que irritante... Se você se deu ao trabalho de mandar uma mensagem pra mim poderia também trazer isso aqui em cima para eu não ter que encarar o lado de fora... E poderia aproveitar também para solucionar o pequeno enfermo que as pessoas chamam de "virgindade". Sim, eu não me importaria com isso.

Mas!

O pacote que se encontra lá em baixo é precioso demais para que uma mera mulher possa por suas mãos nele... Sim, no momento, aquele pacote é a minha vida! É a diferença entre mais um dia vivendo como um ninguém neste mundo cruel ou uma morte deplorável e insignificante bem aqui, nesse apartamento.

Pensando bem...

Eu realmente tenho a motivação pra ir lá em baixo? Não seria tão ruim assim se eu morresse... Sim, é isso... Vou definhar, mas me recuso a ter que sair e ir lá fora.

Contra minha própria decisão, um som tenebroso se levantou. Eu levei a mão até o estômago e dei tapinhas apaziguadores nele.

— Já entendi, pare de reclamar. — eu fui até a saída e calcei os chinelos. Em seguida eu abri a porta e fui cegado pela claridade do ambiente. A ironia do mundo ainda foi mais adiante e jogou uma corrente de ar sobre meu corpo, fazendo com que eu tivesse que cobrir os olhos pra não ser atingido por partículas de poeira.

Quando a corrente passou, abaixei os braços e olhei para o interior do meu quarto, cujas janelas e frestas estavam cobertas por lonas pretas e fitas isolantes.

Será possível que essa porta não abre há tanto tempo que a pressão ambiente estava menor aqui dentro do que lá fora?

Eu suspirei, deixando isso pra lá. Em seguida, andei em direção aos degraus que me levariam ao térreo.

Bastaram apenas alguns passos para que eu já começasse a odiar tudo isso. Droga, por que eu tenho que descer e depois subir essas drogas de degraus toda vez que saio de casa? É apenas melhor ficar lá dentro... Principalmente nessa época do ano. O verão faz o mundo parecer um forno.

E nós somos os bolinhos.

Eu finalmente cheguei até a saída do prédio, onde um homem baixinho vestindo um uniforme ridículo de entregador esperava ao lado de sua pequena moto.

O homem olhou para mim e se assustou, provavelmente pelo fato de meu rosto estar parecendo o de alguém que correu uma maratona sem beber uma única gota d'água.

— V-Você é Kurogami Kano? — o homem perguntou, um pouco inseguro.

— Sim... — eu falei, sem olhar no rosto do homem. Meus olhos apenas conseguiam se focar no que ele segurava.

A dádiva divina. A criação de um gênio.

Pizza, meu amor, minha paixão, minha vida!

— Ei... — o homem me chamou, me fazendo despertar de meu delírio momentâneo. — São 2900 yen.

— Ah, sim. — eu procurei no bolso algumas notas totalmente desorganizadas, embora eu já estivesse com o valor contado ali. Com um grande pesar, eu entreguei as notas na mão livre do homem, que olhou com um pouco de desconfiança para elas. Isso ou então ele havia acabado de notar o cheiro das minhas roupas.

Depois de um tempo contando as notas, o homem finalmente entregou a caixa de pizza nas minhas mãos. Eu fiquei olhando ele ir embora na pequena moto, enquanto sentia o calor da caixa aquecer meu corpo.

Mas a verdade é que eu estava ele esperando ele ir embora por um outro motivo...

Ah, mesmo num dia de verão, esse calor ainda é aconchegante...  Tão, mas tão aconchegante que eu abracei a caixa com toda a minha força, até mesmo esfregando ela contra meu rosto.

— Ah, minha amada pizza!

Isso é como um ritual. Abraçar e mostrar meu amor pela pizza antes de devora-la como um coiote faminto.

Ah, como é bobo o sorriso em minha face agora...

Foi então que, mais uma vez, o universo provou seu ódio a mim.

Uma força desconhecida esbarrou contra a parte inferior do meu corpo, mais especificamente contra a minha cintura. No entanto a velocidade daquilo foi tão insanamente alta que me fez pender para trás. Numa tentativa desesperada de atender meus instintos animais, eu procurei no ar um ponto no qual pudesse me agarrar. No entanto, esse ponto não existia.

E como consequência...

Ela estava voando. Linda, decorada, com rodelas milimetricamente cortadas de salame. Uma verdadeira chuva de sabor e tempero. Em outras circunstâncias, eu teria apreciado esse espetáculo. Mas, no entanto...

— MEU PEPPERONI!

Eu estiquei minha mão enquanto assistia a cena trágica em câmera lenta. A caixa, junto com as já cortadas fatias de pizza, despencavam bem na minha frente, e não havia nada que eu pudesse fazer.

Eu falhei... Eu não pude proteger nem mesmo aquilo que eu amava... Eu sou um lixo como ser humano!

E então, numa fração de segundo, tudo acabou.

Eu estava no chão, que, por sua vez, estava coberto por pedaços de pizza.

— Não... Não...! Fale comigo! — eu peguei uma das fatias na minha mão, tentando revivê-la. No entanto, era tarde demais. Ela já não estava mais nesse mundo. Agora ela fazia parte do mundo sombrio das comidas que caem no chão.

Lágrimas se formaram nos meus olhos. Foi então que eu notei o que havia se esbarrado em mim.

No chão, uma garota, aparentando seus nove anos de idade, estava caída. Ela se levantou com um pouco de dificuldade, levando a mão até a cabeça e bagunçando seus cabelos castanhos.

Nossos olhares se tocaram, quando ela também pareceu notar que havia se esbarrado em alguém.

— Sua maldita! — eu voei em cima da garota, agarrando seus ombros e balançando-a freneticamente. — Você por acaso tem alguma ideia do que fez? Tem? Hã!? Eu vou matar você, está ouvindo!?

A garota deu pequenos gritos enquanto era balançada, mas baixos demais para serem ouvidos. No entanto, um assassinato a sangue frio em frente ao prédio não me parece muito oportuno. Eu soltei a garota, que rodou algumas vezes antes de tombar no chão, atordoada.

— Por que você fez isso!? — ela se levantou meio segundo depois, miraculosamente recuperada, me olhando com um rosto claramente enraivecido.

— Eu que tenho que perguntar! — eu respondi a garota, gritando mais alto do que ela.

Como ela ousa falar comigo depois de matar meu Pepperoni? Eu encarei seus olhos amarronzados por vários segundos, enquanto deixávamos sons intimidadores que mais pareciam rosnados saírem de nossas gargantas.

As energias do universo convergiram para algum lugar específico naquele momento, e nós dois olhamos na mesma direção.

Na caixa caída, estava ela. A última — ou melhor, a única — fatia saudável. Ela era linda, e estava em perfeito estado. Tudo o que eu precisava fazer era alcança-la no pátio do prédio.

Apenas alguns metros... Eu só preciso ser rápido...

Vá, alcance!

— Uooooooh! — eu me estiquei com todas as minhas forças na direção da caixa, buscando alcançar minha divindade e sentir pelo menos um pouco do gosto dela para saciar meus desejos carnais.

No entanto, no momento que eu alcancei a caixa, ela não estava mais lá.

— Não está...

Eu olhei incrédulo para o conteúdo vazio. Em seguida, levantei o rosto.

Nas mãos e na boca da garota de pele alva, estava ela. Minha última esperança, sendo devorada impiedosamente.

— M-M-M-Mas o-o que v-você está f-fazendo!? — eu levei as mãos até a cabeça, e minhas lágrimas voltaram a se juntar nos meus olhos.

— Eu... — a garota ainda teve o capricho de lamber os dedos antes de voltar a falar comigo. — Estava com fome.

Ela fechou os olhos e fez uma cara de nobre princesa, mesmo tendo comido aquela fatia como um animal segundos atrás.

Meu estômago roncou, rindo da minha derrota, e minha decepcionada alma deixou o meu corpo.

Inacreditável.


Parte Um  -
Chuva de Pepperoni  -

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